sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Vai comer ou tirar foto?

Exercito minha boemia à luz do dia, sol à pino, um ou dois goles, copos, garrafas, tanto faz.
Preciso dum alívio pra cabeça, quero estar em sensação de flutuação, mar aberto, infinito, eu e o gigante sem preocupação, apenas o olhar sereno, a cabeça leve, os pés flutuando.

E foi assim, flutuando que ela apareceu, debruçou-se no balcão certeira do pedido, sentou-se na mesa à minha frente, esperou o pedido chegar, organizou tudo milimétricamente em cima da mesa, o copo, a garrafinha de cerveja, o alimento e fez uma foto que instantaneamente já circulou alguma rede social internética.

Me senti meio "das cavernas" por estar com um bloquinho de anotações e uma esferográfica, escrevinhando feito doido na mesa em pleno horário de almoço.

Ao sair do balcão, ela me deu uma olhada de cima abaixo, sentou na mesa bem em frente à minha e ficou me encarando, chamou minha atenção o fato de que ela cruzava e descruzava as pernas por baixo daquele vestido molinho, esvoaçante. Me olhava e cruzava novamente as pernas, me olhava e tirava uma nova selfie, arrumava as coisas em cima da mesa e fazia nova foto.

Comia, bebia, sozinha, me olhava, bebia, cruzava as pernas e arrumava o cabelo, bebia, me olhava e sorria. Quanto mais ela me olha tanto mais eu me encolho, quanto mais ela chega tanto mais eu me afasto.

Volto pra minha mesa, pro meu copo, pra minha caderneta, minhas anotações (inclusive o esboço deste ensaio) e me consumo, alheio à ela, alheio ao ambiente, alheio ao mundo.

E ao sair da bodega olho mais uma vez, com sorriso e biquinho ela me acena, em seguida mais um clique, mais uma postagem das redes sociais, mais uma curtida, mais ou menos isso...

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